O projecto Casas Primeiro possiblitou que, no espaço de um ano, cerca de 50 pessoas com doença mental grave e em situação de sem abrigo há vários anos (62% há mais de 6 anos), transitassem das ruas para uma habitação individualizada, estável (não transitória) e integrada na cidade. Implementado com o apoio do Instituto da Segurança Social,o projecto disponibiliza apoio ao arrendamento e serviços de suporte individualizados no contexto habitacional e de ligação com outros recursos da comunidade.
Ao contrário das respostas sociais existentes nesta área que têm procurado responder, essencialmente e de forma compartimentada, ao nível do tratamento e da assistência básica (alimentação e locais de pernoita), este projecto tem respondido directamente à questão da falta de habitação, demonstrando que é possível resolver as situações de sem-abrigo de forma eficaz e sustentável, independentemente das causas específicas, do tempo passado na rua e das problemáticas individuais apresentadas.
Habitação permanente e integrada
Este programa promove o acesso directo a uma habitação estável (não transitória), integrada em contextos de vizinhança mainstream da comunidade e em diferentes zonas da cidade de Lisboa. A investigação tem demonstrado que o modelo da transitoriedade (centros de alojamento e habitação de transição) não tem tido como resultado o acesso das pessoas a uma habitação individualizada e integrada na comunidade; sendo, por isso, pouco eficaz na resolução das situações de sem-abrigo.
Casas individualizadas
Os apartamentos são individualizados. Os participantes podem partilhar a sua casa com outra pessoa da sua rede pessoal ou familiar, se essa for a sua escolha. A investigação sobre as preferências habitacionais e de suporte demonstrou consistentemente que a maioria das pessoas prefere viver na sua própria casa, em vez de em instituições habitacionais de grupo, muito estruturadas e com supervisão permanente.
Separação entre a habitação e tratamento. Um dos aspectos mais inovadores do modelo é a sua estratégia de intervenção: casas primeiro. Deste modo o programa proporciona o acesso imediato a uma habitação, não sendo exigida, como pré-condição, a participação prévia dos candidatos num programa de tratamento e reabilitação. O acesso a uma casa pessoal e integrada constitui, aliás, um factor crucial para a melhoria da saúde mental dos indivíduos e para o seu envolvimento noutras actividades e projectos pessoais, ao nível profissional, educacional ou social.
Subsídios de renda
A falta de recursos económicos dificulta e impede muitas vezes o acesso à habitação, mantendo as pessoas institucionalizadas, em situações habitacionais precárias ou sem abrigo. O programa financia a renda da casa e as despesas com os consumos domésticos de água e electricidade. Os participantes contribuem com 30% do seu rendimento mensal, para comparticiparem o pagamento da renda e desses consumos domésticos
Serviços de suporte habitacional
Os serviços de suporte estão disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por ano, são flexíveis, individualizados, voluntários e orientados de acordo com as necessidades e objectivos dos participantes. Estes serviços são proporcionados no contexto da casa (mínimo de 6 visitas domiciliárias por mês) e noutros contextos da comunidade, no sentido de prestarem apoio na gestão e manutenção das casas, na ligação com os recursos da comunidade e na concretização de projectos individuais (emprego, escola).
Resultados
Os resultados da avaliação do primeiro ano de implementação do projecto demonstram que, com um apoio individualizado e ajustado às necessidades concretas, as pessoas conseguem alcançar uma situação habitacional estável. 90,5% dos participantes mantiveram-se nas suas casas, um valor muito positivo e significativo, consistente com os resultados evidenciados na literatura internacional sobre este modelo.
A esmagadora maioria dos participantes referem estar muito satisfeitos com a sua casa e com os serviços de apoio recebidos, percepcionando melhorias significativas na sua qualidade de vida. Os participantes referem que a casa proporcionou uma melhoria da sua segurança pessoal, hábitos alimentares, descanso, níveis de stress, saúde mental e física. Os resultados da avaliação também indicam uma diminuição nos consumos de álcool e droga.
A avaliação possibilitou também verificar uma redução drástica na utilização dos serviços de emergência, nomeadamente das urgências hospitalares e do número de internamentos, Por outro lado, os participantes deixaram de recorrer aos serviços sociais específicos para a população sem abrigo, como as equipas de rua ou os refeitórios e diminuíram consideravelmente a utilização do Serviço de Emergência Social.
Os participantes referem também que a sua visão sobre o futuro é mais positiva e que sentem que têm, agora, as condições para iniciar ou retomar outras actividades e projectos, em particular ao nível do emprego.
A investigação sobre este modelo de intervenção, realizada em vários países, tem demonstrado ser também mais eficiente em termos do custo-benefício quando comparado com outras respostas tradicionais, como os abrigos ou as grandes instituições. Vários estudos têm demonstrado serem mais dispendiosos os cuidados prestados a uma pessoa com doença mental sem-abrigo, a viver na rua, num abrigo ou hospital, do que os custos de um programa que prevê a articulação de serviços e habitação de carácter permanente. Os resultados da avaliação do projecto “Casas Primeiro” apontam também neste sentido.
O custo/dia por pessoa deste projecto é significativamente mais baixo (17,50 euros) comparativamente com os valores das estruturas hospitalares, de cuidados continuados ou das respostas de alojamento em pensões. O custo-benefício do projecto é também significativamente mais eficiente, relativamente às respostas de alojamento nocturno temporárias. Por outro lado, a redução da utilização dos serviços de emergência e dos serviços de apoio aos sem abrigo, significa também uma redução de encargos globais com esta população.
Os resultados positivos do projecto, permitiram validar esta metodologia como uma abordagem mais eficaz e eficiente na resolução das situações de sem-abrigo, havendo interesse ao nível de outras organizações e do Instituto da Segurança Social na sua replicação e generalização no contexto nacional.